A VIDA DOS PESCADORES


Não tive conhecimento da notícia da morte recente de pescadores Portugueses, o que depreendi tivesse acontecido através da leitura do lindo, embora nostálgico poema da minha querida companheira de escrita no “Sempre Jovens”, Ana Martins, pessoa que muito admiro.

O seu triste poema, de conotação dramática, homenageia a vida dos pescadores e isso trouxe à minha memória quadros pesados, de acontecimentos que vivi em pequena e durante a minha juventude, já que meu Pai, tendo nascido na Praia de Vieira de Leiria, onde ainda temos membros da nossa família, gostava de ir lá passar férias, tão frequentemente quanto lhe era possível.

Essa localidade, onde existe a antiga Praça dos Letras, hoje com outro nome, ocupa uma grande parte das minhas memórias, uma das quais recordo com particular carinho. Havia um primo meu, pescador, que sempre que o mar o permitia, era despertado por um outro pescador, da sua companhia (sociedade entre pescadores), às 6h da manhã, com o chamamento -”Ó Ganeno, o mar está maannnso!” Claro está que eu, na altura com 5/6 anos, despertava com o apelo e ficava excitadíssima pois sabia que, nesse dia, ia haver peixinhos para o meu balde.

Quando o tempo estava cinzento e o mar encrispado, era comum assistir-se a quadros duma carga dramática impressionante. A partida dos pescadores para o mar, numa atmosfera de violência provocada pelas fortes ondas, levava as suas famílias para a beira-mar as quais, arrantando-se de joelhos pela areia e bradando aos céus, rogavam ao santo padroeiro dos pescadores o milagre de trazê-los de volta. Normalmente vestidas de negro, com os seus lenços amarrados à cabeça e cruzados na frente, deixando uma das faces mais tapadas do que a outra, davam à praia um cenário de angustiante espera, a qual só acalmava quando o barco chegava com sucesso à zona do mar onde as ondas não encrispavam tanto. Mas os gritos recomeçavam sempre que o barco se escondia entre duas ondas.

Umas famílias ficavam sentadas na praia, até ao regresso do barco, outras, talvez com mais coragem, seguiam para casa, regressando, apenas, quando eram avisadas de que a companhia estava de regresso. Era chegada a segunda fase daquele tormento. Se o mar tivesse acalmado, era fácil, caso contrário, voltávamos a assistir à repetição de gritos e preces feitas em alta-voz.

Chegados à praia havia, ou uma hilariante onda de regozijo e ciúme, entre as companhias dos pescadores que foram ao mar, ou havia uma decepcionante atmosfera por ter caído pouco peixe na rede. Eu adorava, porém, o encanto do momento da recolha da rede, retirada do mar por bois duma força potente, ajudados pelos presentes, que puxavam a corda seguindo atrás deles, para ajudá-los na sua dura tarefa. Eu delirava com tudo aquilo. Com o meu balde de lata, pintado de lindas e coloridas côres e cheio de água do mar, esperava que o meu primo me desse peixinhos para colocar dentro dele, para poder devolvê-los de novo ao mar. Como eu gostava daquele momento. Pelo menos salvava alguns. O drama dos outros peixes que acabavam por morrer, passava-me despercebido, ou pelo menos não o recordo.

Não posso deixar de referir um escritor da terra, José Loureiro Botas, nascido em 6 de Julho de 1902 e falecido a 18 de Junho de 1963. Profundamente ligado às suas raízes, eu aconselharia a leitura do seu livro Maré Alta”, onde descreve, como poucos, a vida daquela gente da sua praia, numa época bastante difícil.


Maria Letra
Fotografia do album de família
13/10/2009

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