O ACIDENTE EM ANDORRA

Li hoje a notícia do acidente em Andorra e fiquei profundamente abalada. E abalada porquê?

1.º – Pelo acidente em si, sempre de lamentar, sobretudo quando há vítimas.

2.º – Porque, muito provavelmente, houve – uma vez mais – erros de natureza técnica e/ou humana, o que deveria não acontecer. Trabalha-se muitas vezes ‘em cima do joelho’ e “só depois da casa roubada é que se colocam trancas na porta”. As averiguações quanto à segurança da estrutura e de toda a forma como a obra estaria a ser feita deveria ter acontecido antes do início da obra, não depois do acidente. Mas eu preferiria comentar depois de saber o que foi que esteve mal. Contudo, todas estas coisas nos passam pela cabeça quando algo desta natureza acontece.

Mas o ponto que me coloca um nó na garganta é este:

3.º – Porque estavam lá portugueses, homens que deixam Portugal e as suas famílias, partindo em busca ‘dum lugar ao sol’, porque no seu País nada lhes é garantido.

As condições em que vivem os cidadãos portugueses é, sobejamente, lamentável. Se, ainda por cima, constatamos que acontecem estas coisas, não podemos ficar indiferentes aos motivos pelos quais buscam trabalho noutros países. Estes homens, muitos dos quais sei como vivem enquanto trabalhadores no estrangeiro, mereciam outro destino mas, infelizmente, nem sempre conseguem a realização dos seus sonhos, ou porque as condições – sejam elas de que natureza forem – lhes foram adversas, ou porque acabaram por morrer desta forma. É triste, muito triste. Enquanto uns esbanjam dinheiro em viagens turísticas, dum fausto impressionante, com a curiosidade de conhecerem outros terras e outras gentes, outros viajam em trabalho para poderem pôr na mesa o pão de que a sua família necessita, suportando essas outras terras e outras gentes e, Deus sabe quantas vezes, maltratados de várias formas.

Não sou emigrante pelos mesmos motivos, sou emigrante por opção. E é nesta minha condição que sofro porque sei o que passa com um grandíssimo número de pessoas que abandona o seu País, em busca de condições que lhes garantam o seu direito e o das suas famílias, a uma existência com dignidade. Esta dignidade, aliada aos factores força e esperança, não raramente, perdem-se no tempo, pelas humilhações, maus tratos e desdém com que são recebidos por povos que os usam como ferramentas de trabalho e não como seres humanos. Depois de algum tempo de suportação, chegado a um limite que direi insuportável por mais tempo, aliado à saudade do seu País e das suas famílias, resolvem tentar de novo Portugal, mau grado os motivos que os fizeram abandoná-lo. Também aqui, não raramente se assiste à desilusão, ao desespero e à decisão de partir de novo na tentativa de encontrarem, quem sabe, melhores condições do que as anteriores.

Que ninguém pense que os emigrantes que conseguem uma melhoria económica, com a sua ida para o estrangeiro, não sofreram muito até se adaptarem ao País para onde escolheram ir trabalhar. O cansaço físico provocado por excesso de trabalho e o seu estado psicológico, entre os quais estão as condições em que vivem, muitas vezes dormindo várias pessoas no mesmo quarto, numa casa onde coabitam com outras famílias, gera uma situação global nada a seu favor. E estas causas não estão desligadas umas das outras, formando um todo a que impressiona assistir.

O povo português tem sido vítima duma série de situações cuja causa reside, essencialmente, na corrupção dum sistema que não funciona de maneira nenhuma. Tudo deveria ser reestruturado, a começar pelo ensino e pela saúde, como bases capazes de garantir uma boa preparação cultural e “uma mente sã, num corpo são”, necessárias ao planeamento e execução consciente de alicerces capazes de garantir ao seu humano as condições básicas que tornariam as suas vidas muito menos sacrificadas. Contudo, não se vislumbra, sequer, uma vontade de criar tais bases. Bem pelo contrário, a corrupção financeira ao mais alto nível é uma realidade; nomes conhecidos, que deveriam ser um exemplo, para que os cidadãos sentissem melhor o peso da sua responsabilidade cívica, estão envolvidos em escandalos vergonhosos e, direi mesmo, com ares de ‘invencíveis’ que inspira repugnância. E o que é facto é que, até à data, são mesmo ‘invencíveis’ pois estão a proliferar em número assustador.

Entretanto, os portugueses continuam a emigrar. Quando – facto não menos repugnante – um português se evidencia no estrangeiro, não falam doutra coisa, cheios de orgulho nacional, negligenciando as condições que lhes deveriam ter sido dadas para que fossem ‘heróis’ no seu País e não fora dele. Uma verdadeira pouca vergonha!

Maria Letra
08/11/2009

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