COMO VEJO OS OUTROS

Quando saio à rua, gosto de analisar as pessoas com quem me cruzo, imaginando qual será a sua profissão ou mesmo o que os seus rostos reflectem naquele dia. Gosto, também, de examinar como é que certos indivíduos, cujas personalidades não raramente foram afirmadas durante a infância, numa atmosfera demasiadamente reprimida e/ou com uma mal orientada liberdade, reagem a certos estímulos. Algumas dessas pessoas saem à rua com um semblante de tal forma carregado, que mais parece terem os seus orçamentos acumulados de facturas para pagar no fim do mês. Gostaria muito de olhar para cada um e ver um sorriso nos seus lábios, uma expressão de serenidade ou mesmo o ar inocente de quem fica na mesma, aconteça o que acontece.Verifico muitas vezes e isso enche-me de curiosidade, que muitos tentam – nem sempre com sucesso – comportarem-se de forma a dar aos outros a impressão de que pertencem a um determinado extracto social, como se a vida delas dependesse, em absoluto, do factor “agradar para conquistar”.

Isto leva-me a dividir as pessoas em vários grupos, muito meus:

CLASSIFICAÇÃO POR PROFISSÃO:

A – Os Intelectuais

1. Os genuinos – De cultura formada com base em ensinamentos que “trabalharam” muito bem e com uma visão do que aprenderam muito especial. Estudaram e desenvolveram o que assimilaram modelando esses conhecimentos de forma a servirem-se deles com uma actualidade que não neglegenciam porque não lhes é indiferente.

2. Os convencidos – Possuidores duma cultura que não é mais do que libresca, usam-na para ensinar aos outros o que aprenderam e nada mais. As suas cabeças estão atulhadas de matéria retida “a martelo” nos seus cérebros. Por vezes vestem roupas especiais para surtir o efeito desejado: serem diferentes. Até nos acessórios que usam os identificamos. Não é preciso ser um bom analista para detectá-los. São galináceos armados em pavões.

B – Os Artistas

1. Os Sofridos – São aqueles artistas com cicatrizes profundas devidas ao sofrimento a que o destino não os poupou. Com uma sensibilidade constantemente “picada” ao longo das suas vidas, transmitem na sua arte o seu grito desesperado de revolta, sendo a sua forma de passar aos outros essa mensagem de sofrimento.

2. Os “de proveta” – Artistas cuja “arte” nunca foi arte, mas sim autênticas “aberrações”. Tudo fizeram para serem considerados artistas, incluindo mesmo cursos superiores. Estão, no entanto, desajustados do mundo artístico e um bom apreciador de arte sente isso nas suas obras.

3. Os Serenos – Realizados espiritualmente, a sua arte transmite isso mesmo a qualquer apreciador, mesmo os menos conhecedores, seja essa mesma arte expressa no campo em que fôr. Os seus trabalhos são uma forma de comunicação tranquila, passando serenidade ao seu observador. Isto pode não significar, porém, que não sofram. A sua preparação para o enfrentar da dor é, talvez e todavia, diferente, quase tocando o sublime.

C – Os Professores

1. Os Bem Formados – Adquiriram conhecimentos académicos e, tal como os intelectuais genuinos, desenvolveram os seus estudos modelando-os de forma a poderem transmitir o que sabem aos seus alunos, da melhor maneira possível, para sua boa aplicação na vida. É comum verificar-se que estes professores foram, ao longo de anos, muitas vezes os menos reconhecidos.

2. Os Mestres – São pessoas sem formação académica, mas de reconhecido saber por experiências vividas ao longo das suas vidas. Normalmente transmitem esse saber duma forma agradável, tão agradável que quem os ouve transmitir os seus conhecimentos, fá-lo com prazer, mesmo os menos estudiosos. São um bom condutor de interesse pelo saber e, quanto a mim, são como que um óptimo complemento dos conhecimentos académicos de cada um de nós. Os alunos que têm a sorte de ter um pai – ou uma mãe – desta categoria, quase sempre se tornam cidadãos com muito mérito.

3. Os Petulantes – Os seus canudos são o seu baluarte. Serem chamados de “doutores” é qualquer coisa de muito importante para eles. É fundamental, para eles, que sejam reconhecidos pelo “Dr.” E aqui não façamos distinção entre os competentes e os incompetentes. Depende muito da formação de cada um e da educação que receberam dos pais. Quando ensinam, fazem-no com notória petulância e a sua autoridade “não deve” ser posta em causa.

4. Os “Professores” – Esta minha categoria é a que prolifera por todo o lado. Na rua, nos cafés, nas instituições públicas, tal como nos Serviços Médico-Sociais por exemplo, ou em qualquer sala-de-espera de organismos públicos. Tipicamente “sabichões”. Sabem tudo e falam com uma certa “autoridade” porque … “sabem o que estão a dizer”! Os outros, para eles, são ignorantes e tudo o que fazem deveria ter sido feito de outra forma. São, talvez, os que me fazem sentir, mais profundamente, a tristeza de quem não teve a possibilidade, fosse porque motivo fôsse, de instruir-se.

D – Os Profissionais do Comércio

1. Os Dedicados – Vivem para o seu trabalho, que executam com muito profissionalismo, quantas vezes em deterimento da própria família. Embora sejam remunerados por aquilo que fazem, o objectivo principal que os motiva a trabalhar é o seu brio pessoal em fazer bem seja o que fôr, nas suas funções. Não é raro encontrarmos aqui indivíduos que mais tarde se arrependem de negligenciarem a família em prol da causa “cumprimento profissional”.

2. Os Incompetentes – Trabalham sem brio profissional. O seu objectivo é chegar ao final da semana, ou do mês e receber a sua remuneração. Não são incompetentes porque não têm capacidade, são incompetentes porque o que fazem não os motiva ou não foram preparados para as tarefas que executam. Isto para não referir o que, muitas vezes, está no centro desta indiferença: problemas de alcool, de droga, de família, de educação enquanto crianças, enfim, desajustamentos sociais.

3. Os Frustrados – São os trabalhadores mais perigosos e que podemos encontrar seja no sector operário, seja nos quadros de serviços administrativos de grande empresas, etc., etc. Podem ser simultaneamente briosos no que fazem, incompetentes e conflituosos. São, frequentemente, pessoas “ácidas” e agem para com os colegas com muita maldade. É comum encontrarmos aqui diversos tipos de indivíduos:

a) Os que agem com esta acidez porque não são compreendidos no seio familiar e, por vezes, são mesmo “dominados” por um ou mais elementos da família. Alguém terá de “pagar a factura” desta sua “asfixia” em casa.

b) Os que, por um motivo ou por outro, têm profundos complexos de inferioridade e baixa auto-
     estima.

c) Os que, por algum motivo que não lhes é indiferente, são postos “na prateleira”.
     etc., etc.

3. Os Exigentes – São pessoas que se viram obrigadas a começar a trabalhar muito cedo e cuja vida é uma constante manifestação do sacrifício que lhes foi imposto em pequenos e cujo exemplo fazem gala de referir constantemente, como lição a ensinar aos outros. Nesta categoria, há os que são exigentes porque, genuinamente, gostam de formar os outros com competência os quais incluiria, igualmente, no item 1 – Os Dedicados.
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Claro está que escrever sôbre a minha análise das pessoas, ou mesmo de mim mesma, não passa pela minha convicção de que vou ensinar alguma coisa aos outros ao falar de alguns dos “meus” vários tipos de indivíduos ou das minhas experiências de vida. Tenho, tão somente, a intenção de conversar com os outros e dar a quem lê o que escrevo a possibilidade de conhecerem melhor o que penso e como sou. Durante muitos anos calei a minha vontade de expressar o que penso, por várias razões. Hoje, “enrolada” no meu EU, encontro algum tempo livre para fazer outra das muitas coisas de que gosto: escrever.

O ser humano é muitíssimo complexo. Não estou a dar nenhuma novidade seja a quem fôr. Estes vários grupos de pessoas que referi, aos olhos dum bom conhecedor da matéria, daria “pano para mangas muito compridas”, mas não é essa a minha intenção. O ser humano é qualquer coisa que coloco muito acima dos vários interesses que tenho e, quando o observo, não o faço com a intenção maléfica de criticar quem não é como eu. Faço-o pela curiosidade de analisar com quem me cruzo no meu dia-a-dia e, saberá Deus quantas vezes, no meio dessas pessoas, estarão diabos disfarçados de anjos, capazes de matar com indiferença e calculismo doentio, uma criança ou outro ser humano. Foram precisos muitos anos até que eu percebesse que NÃO DEVEREI pensar que toda a gente é, como eu, incapaz de fazer mal ao seu próximo. E se mal faço, fiz, ou farei a alguém, que ninguém duvide não o ter feito com a intenção, repito, de prejudicar. Fi-lo porque não soube como evitá-lo, na altura, ou porque pensei ser a única solução que se me afigurava a correcta. Paguei e continuarei a pagar pelos meus erros, os quais assumo com uma dignidade muito grande, exactamente porque SEI não terem sido cometidos por qualquer outro motivo que não fosse o já explicado. Que a minha família e todos aqueles que ainda conseguem amar-me, me perdoem.

As pessoas têm, por vezes, reacções inesperadas que, mais tarde, nem elas próprias conseguem aceitá-las ou identificar o porquê das mesmas. Eu, por exemplo, desde os meus 18 anos que assumo o desejo de fuga como primeira reacção a um tremendo desgosto, desilusão ou inesperada má notícia. Recordo, por exemplo, estar de cama ainda, pelo nascimento do meu último filho, quando recebi a notícia da morte súbita de meu pai, em minha casa. O que fiz? Fugi para a rua em pijama e roupão, com o bebé dentro da alcofa – como sendo a primeira coisa a não separar de mim – e fui para a rua. Claro está que alguém da família me foi buscar e levou-me para casa duma tia, para que serenasse. O meu fugir é o alívio e a defesa que encontro para saír das situações, para serenamente reflectir, sem ver quem, como eu, está a sofrer. Nesses momentos, sei que tentar ajudar os outros seria levá-los a terem de ajudar-me a mim e eu isso não quero. Esta minha atitude não revela qualquer tipo de esterismo, egoísmo ou cobardia. Pretendo, tão somente, não preocupar os outros pelo receio de sentir-me mal e busco, no silêncio, o equilíbrio de que, naquele momento, tanto necessito para poder, depois, ajudar os outros. Se sinto que a minha presença, mais do que uma ajuda, pode representar um estorvo, simplesmente parto para onde possa serenar.

Porquê

Eu queria poder fugir
Deste mal-estar, deste quê.
Deixar a dor e partir
Em busca dum tal “porquê”
Que nunca me dá descanso
E não deixa de seguir-me.
Quando me enervo, me amanso.
Já não quero mais trair-me.
Enroscada no meu “EU”,
Continuo a procurar-me,
Mas não me encontro Deus meu.

Maria Letra
11/08/2009

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